Saci
e Madame Min duelam na cultura do Brasil
O Saci-Pererê é um dos mais conhecidos
personagens do folclore brasileiro. E tem até um dia em sua homenagem, que é 31
de outubro.
Guarde essa data.
Teria o mito
surgido entre os indígenas do sul do país, ainda no período do Brasil colonial?
Pode ser. Por lá ele seria mais ou menos assim: um menino indígena, moreno e
com rabo. Um pouco diferente de como o conhecemos hoje, mas com sua principal característica:
aprontando muitas travessuras na floresta.
Ao migrar mais
para o norte do Brasil, a figura do Saci sofreu modificações pela influência
africana. Virou um jovem negro, de uma só perna (teria ele perdido a outra na
capoeira?), de gorro vermelho e cachimbo. É a representação da lenda que
conhecemos hoje. Aliás, “Lenda não. O Saci Pererê, assim como a Mula-sem-cabeça
e o Papai Noel existem. Pelo menos para quem acredita neles”, afirma o escritor
e fotógrafo Antônio da Cunha Penna, 66.
Já o Halloween é uma festa de origem pagã (se
olharmos do ponto-de-vista católico) celebrada, todo ano, no dia 31 de outubro
(lembra?), véspera do dia de Todos os Santos.
É realizada em grande parte dos
países ocidentais, porém é mais representativa nos Estados Unidos aonde chegou
pelas tradições dos imigrantes irlandeses, em meados do século XIX.
A história desta festa tem mais de 2500 anos e origina-se entre o povo
celta. “Acreditava-se que neste dia – 31 de outubro, último dia do
verão no hemisfério Norte- anterior ao Dia de Todos os Santos, os espíritos
vagavam buscando incorporar os corpos dos vivos e os símbolos, que hoje
representam esta festa, eram usados para espantar esses maus espirítos.” Descreve
Silmara Ardito Arvani, 41, professora de Inglês e coordenadora de uma escola de
Idiomas de Indaiatuba, SP.
Por ser uma festa pagã foi
condenada na Europa durante a Idade Média, período conturbado da história
religiosa mundial e, como muitas outras tradições populares, passou a ser
chamada de Dia das Bruxas. Assim, quem comemorasse a data era considerado
“bruxo” também e, desta forma, era perseguido e condenado a morrer queimado na
fogueira pela Inquisição. Como não conseguiu acabar com a tradição pagã, a
igreja “inventou”, na mesma época, a comemoração do Dia de Finados (2 de
novembro), numa tentativa de diminuir as influências pagãs na Europa Medieval.
No Brasil, a comemoração desta
data é relativamente recente e chegou através da influência da cultura
americana, principalmente pela televisão e pelos cursos de língua inglesa, pois
estes comemoram esta data com seus alunos como uma forma de vivenciar a cultura
norte-americana, como acredita a professora Silvana.
Recentemente, tem-se levantado a questão:
não estaríamos supervalorizando culturas “importadas” e deixando de lado o
nosso próprio folclore?
Para Antonio Penna, “Halloween funciona bem em filmes de terror americano. É uma forçassão
de barra das escolas de inglês que deveriam se limitar a ensinar o idioma,
e não contaminar o nosso folclore com costumes alienígenas”.
Nunca é
demais lembrar: A palavra “folclore”, numa tradução livre quer dizer costumes
ou crendices de um povo. Logo, a própria palavra é um neologismo (nem tão “neo”
assim). Vem do inglês “folk” e “lore”.
E mais questões surgem: se
nossos mitos são tão significativos assim, por que se escolheu a data para se
homenagear o Saci, justamente no dia que se comemora o Halloween?
“Acredito ser
totalmente possível e inclusive necessário,
já que vivemos num mundo globalizado, que o Folclore Nacional se
harmonize com outras culturas.” Analisa Silmara.
Mais: Quem é mais popular? Harry Potter ou
Saci Pererê? Ben10 ou Boitatá? ” É difícil lutar contra culturas
dominantes, mesmo assim, dado a força e a diversidade cultural de nosso povo,
conseguimos em alguns casos, preservar nossos costumes. Um bom exemplo são as
Festas Juninas que ainda sobrevivem apesar do preconceito de algumas
denominações evangélicas que evitam estas festas de origem religiosa, mas
que, por estarem arraigadas em nossa cultura, vão além de credos
religiosos.”analisa Penna.
Outra pergunta: Como o
conhecemos hoje, o Saci não é uma corruptela de credos oriundos do sul do
Brasil e tradições africanas mistos?Que bruxaria é essa? Importados da África
não valem?
São só perguntas, mas devemos
ser realistas: num mundo cada vez mais com cara de Aldeia Global, é difícil
impor uma delimitação para aspectos culturais.
Afinal, não podemos deixar de lado a
questão: Será que nosso simpático Saci teria as mesmas nuances comerciais que
possui o Halloween? Bem possível que não. No entanto, para Silmara Arvani, “No imaginário infanto-juvenil há espaço para o Saci- Pererê, o
Harry Potter e outros tantos que porventura possam surgir.”
E, para
Antonio da Cunha Penna, o negrinho de uma só perna anda muito vivo, pelo menos
na memória: ” Quando pequeno, lá nos confins de Minas
Gerais, tinha o costume de amarrar touceiras
de capins umas às outras para derrubar quem passasse pelo caminho. Quem levava
a culpa era o Saci Pererê. Todo verdadeiro moleque brasileiro, é um
Saci Pererê”
Alex Lecovic