sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Saci e Madame Min duelam na cultura do Brasil

   O Saci-Pererê é um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro. E tem até um dia em sua homenagem, que é 31 de outubro.
   Guarde essa data.
   Teria o mito surgido entre os indígenas do sul do país, ainda no período do Brasil colonial? Pode ser. Por lá ele seria mais ou menos assim: um menino indígena, moreno e com rabo. Um pouco diferente de como o conhecemos hoje, mas com sua principal característica: aprontando muitas travessuras na floresta.
   Ao migrar mais para o norte do Brasil, a figura do Saci sofreu modificações pela influência africana. Virou um jovem negro, de uma só perna (teria ele perdido a outra na capoeira?), de gorro vermelho e cachimbo. É a representação da lenda que conhecemos hoje. Aliás, “Lenda não. O Saci Pererê, assim como a Mula-sem-cabeça e o Papai Noel existem. Pelo menos para quem acredita neles”, afirma o escritor e fotógrafo Antônio da Cunha Penna, 66.
    Já o Halloween é uma festa de origem pagã (se olharmos do ponto-de-vista católico) celebrada, todo ano, no dia 31 de outubro (lembra?), véspera do dia de Todos os Santos.
   É realizada em grande parte dos países ocidentais, porém é mais representativa nos Estados Unidos aonde chegou pelas tradições dos imigrantes irlandeses, em meados do século XIX.
    A história desta festa tem mais de 2500 anos e origina-se entre o povo celta. “Acreditava-se que neste dia – 31 de outubro, último dia do verão no hemisfério Norte- anterior ao Dia de Todos os Santos, os espíritos vagavam buscando incorporar os corpos dos vivos e os símbolos, que hoje representam esta festa, eram usados para espantar esses maus espirítos.” Descreve Silmara Ardito Arvani, 41, professora de Inglês e coordenadora de uma escola de Idiomas de Indaiatuba, SP.
     Por ser uma festa pagã foi condenada na Europa durante a Idade Média, período conturbado da história religiosa mundial e, como muitas outras tradições populares, passou a ser chamada de Dia das Bruxas. Assim, quem comemorasse a data era considerado “bruxo” também e, desta forma, era perseguido e condenado a morrer queimado na fogueira pela Inquisição. Como não conseguiu acabar com a tradição pagã, a igreja “inventou”, na mesma época, a comemoração do Dia de Finados (2 de novembro), numa tentativa de diminuir as influências pagãs na Europa Medieval.
   No Brasil, a comemoração desta data é relativamente recente e chegou através da influência da cultura americana, principalmente pela televisão e pelos cursos de língua inglesa, pois estes comemoram esta data com seus alunos como uma forma de vivenciar a cultura norte-americana, como acredita a professora Silvana.
       Recentemente, tem-se levantado a questão: não estaríamos supervalorizando culturas “importadas” e deixando de lado o nosso próprio folclore?
   Para Antonio Penna, “Halloween funciona bem em filmes de terror americano. É uma forçassão de barra das escolas de inglês que deveriam se limitar a ensinar o idioma, e não contaminar o nosso folclore com costumes alienígenas”.
     Nunca é demais lembrar: A palavra “folclore”, numa tradução livre quer dizer costumes ou crendices de um povo. Logo, a própria palavra é um neologismo (nem tão “neo” assim). Vem do inglês “folk” e “lore”.
    E mais questões surgem: se nossos mitos são tão significativos assim, por que se escolheu a data para se homenagear o Saci, justamente no dia que se comemora o Halloween?
   “Acredito ser totalmente possível e inclusive necessário,  já que vivemos num mundo globalizado,  que o Folclore Nacional se harmonize com outras culturas.” Analisa Silmara.
    Mais: Quem é mais popular? Harry Potter ou Saci Pererê? Ben10 ou Boitatá? ” É difícil lutar contra culturas dominantes, mesmo assim, dado a força e a diversidade cultural de nosso povo, conseguimos em alguns casos, preservar nossos costumes. Um bom exemplo são as Festas Juninas que ainda sobrevivem apesar do preconceito de algumas denominações evangélicas que evitam estas festas de origem religiosa, mas que, por estarem arraigadas em nossa cultura, vão além de credos religiosos.”analisa Penna.
   Outra pergunta: Como o conhecemos hoje, o Saci não é uma corruptela de credos oriundos do sul do Brasil e tradições africanas mistos?Que bruxaria é essa? Importados da África não valem?
    São só perguntas, mas devemos ser realistas: num mundo cada vez mais com cara de Aldeia Global, é difícil impor uma delimitação para aspectos culturais.
   Afinal, não podemos deixar de lado a questão: Será que nosso simpático Saci teria as mesmas nuances comerciais que possui o Halloween? Bem possível que não. No entanto, para Silmara Arvani, “No imaginário infanto-juvenil há espaço para o Saci- Pererê, o Harry Potter e outros tantos que porventura possam surgir.”
   E, para Antonio da Cunha Penna, o negrinho de uma só perna anda muito vivo, pelo menos na memória: ” Quando pequeno, lá nos confins de Minas Gerais, tinha o costume de amarrar  touceiras de capins umas às outras para derrubar quem passasse pelo caminho. Quem levava a culpa era o Saci Pererê. Todo verdadeiro moleque brasileiro, é um Saci Pererê”

        Alex Lecovic